Sustentabilidade, ambiência e pontos práticos de bem-estar fizeram parte das discussões da programação científica do primeiro dia do Simpósio Brasil Sul de Bovinocultura de Leite.
O desempenho produtivo da cadeia leiteira depende de estratégias de manejo que garantam bem-estar e eficiência máxima de produção. O tema abriu os debates do 14º Simpósio Brasil Sul de Bovinocultura de Leite (SBSBL), na tarde desta terça-feira (14). O evento, promovido pelo Núcleo Oeste de Médicos Veterinários e Zootecnistas (Nucleovet) e pela Epagri, reúne grandes especialistas do setor no Centro de Eventos, em Chapecó.
O doutor e pesquisador da Universidade de Kiel, na Alemanha, Ralf Loges, discutiu estratégias para aumentar a sustentabilidade na criação de bovinos de leite, a partir de estudos de casos no país europeu, especialmente os dados de uma fazenda experimental. O especialista descreveu o sistema usado na Alemanha, os principais desafios de produtividade e impactos ambientais.
Hoje, a Alemanha é o 6º maior produtor mundial de leite, logo atrás do Brasil, que ocupa a 5ª posição no ranking mundial. O país tem um rebanho de cerca de 3,6 milhões de animais e uma pecuária leiteira referência em inovação, bem-estar animal e sustentabilidade.
Entre os principais desafios atuais apontados pelo professor para a bovinocultura leiteira moderna estão os impactos climáticos, variação do preço, o aumento do custo de produção e as exigências cada vez maiores do mercado. “A agricultura moderna tem uma aceitação cada vez menor. Ainda temos questões como emissão de gases do efeito estufa, mudanças intensas no clima, com período de seca ou de muita chuva que antes não tínhamos. Em nosso país, assim como no Brasil, temos dificuldade de recrutar trabalhadores e tem sido difícil convencer a nova geração a atuar neste setor”, pontuou.
O PhD em Ciências Agrícolas chamou atenção para a redução da pegada de carbono, uma demanda cada vez maior por parte dos consumidores, e destacou o papel das pastagens como fator crucial para mitigar impactos ambientais. “Temos sistemas de pasto com pontos extremamente fortes e bons resultados. Estudos mostram que a pastagem jovem é mais digerível e isso leva a uma menor emissão de metano. E não podemos deixar de lado o bem-estar animal, que impacta na produtividade e atende a um mercado cada vez mais exigente a essas práticas”, ressaltou Loges.
COMPORTAMENTO E BEM-ESTAR
A PhD em comportamento de animais de produção, Rosangela Poletto, discorreu sobre os pontos críticos e práticos de bem-estar animal na produção leiteira. Neste contexto, é essencial observar parâmetros de nutrição, ambiente, instalações, gestão e pessoal e gestão de propriedade.
Um dos pontos mais críticos, segundo a doutora, está em observar o comportamento dos animais. “Quando a gente percebe mudanças ou desvios de comportamento, podemos antecipar problemas e aplicar as correções devidas. E aí, vem o segundo maior desafio, que é identificar de onde vem a problemática, entender qual é a causa raiz. E essa tarefa de identificar que algo não está bem cabe a quem? ao produtor e aos profissionais técnicos? É na verdade uma força-tarefa, todo mundo deve estar envolvido”.
O primeiro passo é saber identificar o que deve ser tratado como um desvio, como algo anormal no rebanho, para então partir em busca de soluções. O bem-estar animal passa pela prevenção e a prevenção passa por estratégias corretas de manejo.
“Quando a gente pensa em falhas de manejo ou perdas produtivas, antes de ocorrer a perda evidente perante os olhos técnicos, há muitas perdas que a gente não vê. E sempre deixamos de ganhar quando não fornecemos ao animal aquilo que ele precisa. As perdas ocultas são, muitas vezes, a margem de lucro de um sistema produtivo”, afirmou. Ter um olhar mais crítico é a chave para a adoção de práticas que garantam o bem-estar animal. “É preciso ver o sistema produtivo de uma forma mais integrada e manter harmonia entre os manejos que estão sendo aplicados na propriedade”, finalizou Poletto.
AMBIÊNCIA
Quando o assunto é bem-estar animal, a ambiência é outra estratégia imprescindível para o desempenho produtivo. O zootecnista Frederico Corrêa Vieira alertou para os efeitos do aquecimento global na bovinocultura leiteira e a importância de olhar para a condição térmica do animal.
Eventos climáticos extremos já fazem parte da nossa realidade e as ondas de frio e calor devem se tornar mais frequentes, fatores que exercem impacto direto nos bovinos, com a ocorrência de distúrbios comportamentais, fisiológicos e imunológicos.
Para Vieira, um dos grandes desafios do setor na questão do conforto térmico é subestimar a capacidade de produção de calor das vacas. “Uma vaca de alta produção produz muito calor e devemos estar atentos aos sinais, tais como a frequência respiratória, que deve ser entendida como um indicativo de alerta.”
Em vez de discutir somente o resfriamento do ambiente, é necessário olhar para o animal. Muitas vezes nós dimensionamos os sistemas de climatização, mas eles não chegam até o animal, nós temos que olhar para as vacas. Trata-se de uma medida de resiliência climática, ou seja, nós devemos observar os sinais dos animais e medir as variáveis térmicas próximo ao animal. Isso já é uma medida que vai, com certeza, auxiliar muitos produtores”.
O professor destacou que os animais estocam calor, o que exige atenção redobrada para o manejo correto em cada horário. “Dependendo da duração da exposição ao estresse térmico, essa quantidade de energia será estocada pelo animal e liberada à noite, momento em que, muitas vezes, os ventiladores são desligados. Precisamos observar as vacas também à noite. Tudo isso é uma questão de mudança de manejo, principalmente mudança de consciência”.
Um manejo de ambiência eficiente exige foco no animal. “Que a nossa incerteza em relação ao futuro não dê lugar à nossa inação. Vamos começar a agir agora”, concluiu.