Pesquisa da Embrapa e da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack aposta em bovinos mais resistentes ao calor tropical.
Os primeiros bezerros geneticamente editados a partir de embriões fecundados in vitro nasceram no país. O feito, inédito nas Américas, foi anunciado pela Embrapa em parceria com a Associação Brasileira de Angus e representa um marco para a bovinocultura nacional. O projeto busca desenvolver bovinos mais resilientes às altas temperaturas e às mudanças climáticas, usando a tecnologia de edição genética CRISPR/Cas9.
Ao todo, cinco bezerros da raça Angus nasceram entre o fim de março e o início de abril. Os primeiros resultados indicam sucesso na edição genética em três deles. O sequenciamento genético, realizado pela Embrapa Gado de Leite (MG), confirmou a eficácia da técnica e apontou que os animais editados carregam a característica desejada: maior resiliência ao calor graças ao desenvolvimento de pelos curtos e lisos.
A técnica usada é considerada inovadora para bovinos e promete impulsionar a adaptação de raças produtivas, como Angus e Holandesa, às condições tropicais do país. A expectativa é que esses animais sofram menos com o estresse térmico, o que pode resultar em maior produtividade e qualidade de vida.
A edição foi realizada com a técnica CRISPR/Cas9, conhecida como melhoramento genético de precisão. Segundo o pesquisador Luiz Sérgio de Almeida Camargo, da Embrapa Gado de Leite, a ferramenta foi adaptada pela ciência a partir de um sistema natural encontrado em bactérias. “O CRISPR/Cas9 funciona como uma espécie de tesoura genética, capaz de alterar o DNA de maneira precisa, ativando características de interesse econômico”, explica.
Com essa tecnologia, é possível introduzir mutações benéficas diretamente nos embriões, sem necessidade de cruzamentos tradicionais que poderiam levar gerações para fixar as características desejadas. O projeto focou na edição do gene receptor da prolactina, relacionado ao controle da temperatura corporal em bovinos.
Pelos curtos e maior resiliência
Mutação no gene receptor da prolactina provoca o desenvolvimento de pelos mais curtos e lisos, que ajudam a reduzir a temperatura corporal dos animais. Essa característica é natural em algumas raças adaptadas ao clima tropical brasileiro, mas está ausente em raças puras de alta produtividade, como a Angus ou a Holandesa.
De acordo com Camargo, dois dos bezerros editados apresentam mais de 90% de pelos curtos, resultado de taxas de edição genética superiores a 67%. O terceiro animal editado tem uma taxa de edição entre 50% e 70%, o que deve resultar em uma aparência com mistura de pelos curtos e longos. “Os resultados obtidos já são suficientes para que os animais apresentem a característica desejada”, afirma o pesquisador, destacando que as pesquisas continuam para aprimorar a eficiência do processo.
Eletroporação de zigotos: inovação no método
A edição genética foi realizada em embriões por meio de um processo chamado eletroporação de zigotos. Nesse método, pequenas correntes elétricas são aplicadas para abrir temporariamente a membrana do zigoto (a célula resultante da união do óvulo com o espermatozoide), permitindo a entrada do material genético de edição.
Essa técnica é considerada menos invasiva e mais prática do que outros métodos tradicionais de modificação genética, além de ser mais eficiente e menos custosa.
Impacto na produção e no bem-estar animal
Com a edição, espera-se que os animais da raça Angus apresentem menor estresse térmico e maior capacidade produtiva e reprodutiva em ambientes quentes e úmidos. Essa adaptação é cada vez mais necessária diante dos cenários previstos de aquecimento global. “A capacidade de resistir melhor ao calor traz ganhos diretos para o bem-estar dos animais e também para a produtividade, beneficiando os produtores”, reforça Camargo.
Além disso, manter a raça Angus com suas principais características produtivas, agora adaptadas ao calor, representa um avanço estratégico para a bovinocultura brasileira, que busca combinar qualidade de carne com capacidade de adaptação ambiental.
Parceiros no desenvolvimento
O projeto é resultado de uma ampla parceria que reúne, além da Embrapa e da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Casa Branca Agropastoril.
As pesquisas envolvem equipes das unidades Embrapa Gado de Leite, Embrapa Gado de Corte e Embrapa Pecuária Sul, com foco no desenvolvimento de novos animais geneticamente editados e na avaliação da transmissão das características para futuras gerações.
Futuro da bovinocultura
Os primeiros bezerros editados são apenas o começo. As próximas etapas da pesquisa incluem o acompanhamento do crescimento dos animais, a avaliação de sua performance produtiva e reprodutiva e, especialmente, o estudo da hereditariedade das alterações genéticas. Se a transmissão da característica for comprovada, a tecnologia poderá ser disseminada de maneira natural pelas próximas gerações, acelerando a adaptação de rebanhos inteiros ao clima tropical.
O presidente da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, José Paulo Cairoli, aponta que o momento simboliza todo o esforço feito nos últimos anos para que a raça tenha a evolução que os criadores tanto buscam. “Todo passo dado pela Associação, nessa parceria tão importante com a Embrapa, demonstra o esforço que a entidade faz ano a ano para valorizar a raça e quem aposta nela. Gerar os primeiros animais melhorados via edição gênica é um marco na história da pecuária brasileira, e estamos muito felizes em poder protagonizar esse ineditismo”, avalia Cairoli.
A pesquisa também irá observar se existem edições fora do alvo no genoma dos animais recém-nascidos e conferir se vão se comportar dentro do panorama projetado (ou seja, se vão apresentar menor variação na temperatura corpórea quando expostos ao calor). Também será estudado se a característica vai ser transmitida para os descendentes. O objetivo em seguida é gerar uma pequena população de animais editados, formando a primeira geração, para que seus filhos possam ser usados na disseminação da característica em rebanhos maiores.
O diretor-executivo Mateus Pivato comemora o sucesso da pesquisa. “Trata-se de um projeto que coloca a pecuária brasileira na vanguarda da inovação genética. Estamos investindo em um futuro mais sustentável, com animais de alta qualidade que suportam melhor os desafios climáticos do país”, afirma Pivato.
A entidade tem investido muito em pesquisa para produzir um Angus cada vez mais adaptado aos sistemas de produção nacionais, possibilitando aos criadores e associados animais com mais termotolerância e buscando melhor desempenho em ambientes mais desafiadores. Pivato destaca ainda que o mercado consumidor valoriza cada vez mais práticas que combinam produtividade com respeito ao bem-estar animal, e que os resultados dessas pesquisas reforçam a competitividade da carne Angus brasileira tanto no mercado interno quanto no internacional.