Por Fernando Sampaio*
A palavra “mutirão” tem origens na família linguística Tupi Guarani, e vem de “motyrõ”, que significa “reunião para a colheita ou construção” ou simplesmente “trabalho em comum”.
Mas a prática de mutirão é de certa forma conhecida por diferentes povos, e demonstra a capacidade do ser humano se organizar pelo bem comum quando necessário.
A Presidência brasileira da COP, sob o comando do embaixador André Corrêa do Lago, divulgou no último dia 8 uma segunda carta endereçada à comunidade internacional trazendo a ideia de um Mutirão Global como um chamado à ação coletiva no enfrentamento da crise climática, não mais na forma de compromissos e metas, mas na forma de implementação.
Governos, Setor Privado, Sociedade Civil, Academia, todos são chamados à ação, a fazer acontecer.
A Crise é complexa e multinível, por isso ele sugere uma abordagem sistêmica e uma “mobilização sem precedentes” pela mudança do clima para incentivar mais ação e ambição climáticas.
Quando trazemos essa visão para a realidade brasileira, e para a pecuária brasileira, poderíamos dizer que o mutirão já está em andamento.
O Brasil tem que ser visto como um país onde soluções já estão sendo implementadas, sobretudo em agropecuária de baixo carbono. Como lembrou Mauricio Nogueira, em artigo recente (Nossa Revolução Verde foi mais Verde), temos 126 milhões de hectares de áreas produtivas em sistemas de produção com tecnologias tropicais conservacionistas que ajudam a aumentar a produção de alimentos e reduzir impacto e emissões. Além de um Código Florestal que faz produtores também responsáveis por conservação.
Um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas, que analisa cenários de descarbonização para a cadeias agropecuárias, mostra que a pecuária pode reduzir emissões em até 45% em relação a uma linha de base de 2023 se desvinculando de desmatamento, restaurando pastagens e aplicando técnicas de integração. É uma entrega de 550 MtCO2e de descarbonização.
A questão é que, e especialmente na pecuária, temos uma grande área de produção que ainda não fez essa transição. E essa transição não foi feita não porque produtores não querem que ela aconteça, mas porque não criamos as condições habilitantes para isso.
Por condições habilitantes estamos falando de financiamento, assistência técnica e extensão rural, regularização ambiental e fundiária, rastreabilidade entre outras. A Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável tem se debruçado sobre questões como essa para construir propostas de consenso sobre como dar condições para que o setor entregue todo seu potencial no enfrentamento da crise.
Podemos sim mostrar na COP o esforço que o Brasil e o setor fazem e o que queremos da negociação. Mas precisamos pensar no pós COP e na governança necessária para que essas condições sejam criadas. Por governança entenda-se a coordenação entre diferentes instâncias governamentais e setor privado para que sejam implementadas as ações necessárias para o avanço do setor em relação aos compromissos do país.
Vale lembrar que o Brasil passa no ano seguinte a Presidência à Austrália, país de grande tradição pecuária. E é uma oportunidade para continuar colocando na mesa os temas necessários para nós. E continuar trabalhando pensando no longo prazo.
Nas palavras de Correa do Lago : “Nossa cooperação climática global não deve apenas funcionar na realidade de 2025, mas também estar pronta para evoluir e atender às realidades de 2030, 2035 e 2050. A Presidência da COP30 deixa aqui um convite aberto a todos os membros da família humana: venham como são e como podem ser. Na moldura do Mutirão Global serão acolhidos todos, independentemente do nível de engajamento, de especialização ou perspectiva”.
Nós podemos ser muito.
*Fernando Sampaio, membro da Comissão Executiva da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável