A plena implementação do Código Florestal ainda está distante em todo o território nacional. Desde a aprovação da lei 12.651, em maio de 2012, denominada Lei de Proteção da Vegetação Nativa, os Estados da Federação têm feito esforços variados na sua implementação. No entanto, o cenário atual mostra baixa evolução nas análises e, potencialmente, uma predominância de irregularidades e inadequações ambientais em uma parte que não pode ser desconsiderada das propriedades rurais privadas brasileiras.
A regularização ambiental não deveria prescindir da necessária análise da conformidade da propriedade rural em relação aos seus passivos e ativos ambientais existentes. Um terço das propriedades rurais privadas da Amazônia, formadas a partir de 2008, principalmente nas áreas de fronteiras agrícolas, incorre em potenciais ilícitos de desmatamento no seu estabelecimento, quando estabelecidas sem a devida autorização ou ainda em área superior ao definido pela lei ambiental. Entretanto, existem juristas que defendem que a ausência de autorização para determinadas intervenções, como o desmatamento em Uso Alternativo do Solo, não deve ser considerado um obstáculo intransponível à regularização ambiental. Nesses casos, a infração precisa ser devidamente analisada e julgada, mas sem acarretar entraves desproporcionais ao processo de regularização do produtor rural. Aqui reside uma importante discussão.
Entende-se que a análise da licitude ambiental é respaldada na lei 9605/98, Lei de Crimes Ambientais, que determina a necessidade de reparação integral do dano ambiental para a “extinção de punibilidade”, e no Decreto Presidencial 6514/2008, que estabelece que a “prescrição da pretensão punitiva da administração não elide a obrigação de reparar o dano ambiental”, pois a reparação do “dano ambiental é “imprescritível”. Partindo desta premissa, pode-se entender que a reparação do dano ambiental é prevalente ao processo administrativo de regularização ambiental a ser conduzido pelos Estados?
Uma das agendas mais exitosas em promover a responsabilidade ambiental associada à cadeia de valor da carne na Amazônia Legal teve início em 2009, quando, a partir do Decreto Presidencial supracitado, a corresponsabilidade pela área de embargo na aquisição de produtos de origem animal motivou o Ministério Público Federal – MPF, em sua procuradoria no estado do Pará, a convocar a indústria de abate e processamento de carne e subprodutos, os frigoríficos, a adotar critérios ambientais na aquisição de gado.
Este movimento, denominado TAC Carne Legal, impulsionou uma agenda de monitoramento na cadeia de fornecimento de gado. Empresas aperfeiçoaram o cadastro de fornecedores, começaram a evitar compras de gado de áreas com indícios de desmatamento ilegal e uma série de instrumentos foram desenvolvidos, destacando-se a tecnologia geoespacial envolvida.
Desde então, o rebanho bovino na região cresceu, a expansão da ocupação e do uso da terra continuou – com taxas variáveis, onde, por dois períodos, tivemos tendência de queda. Com o momento atual, um número expressivo de propriedades rurais privadas foi sendo excluído e marginalizado na cadeia da pecuária, e novas formas de negócios foram instituídas ou aprimoradas na comercialização de gado, como forma de dar vazão ao gado oriundo de propriedades inconformes. Essas fazendas excluídas na cadeia de fornecimento não deixaram de existir, e estima-se que cerca de 30% de todas as propriedades rurais com pastagem na Amazônia estão inaptas a comercializar seu gado com os frigoríficos com TAC Carne Legal, majoritariamente pequenas propriedades e propriedades da agricultura familiar.
O Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia (MPF), construído e revisado com a participação de representações da indústria, empresas de tecnologia e criadores, prevê mecanismos de reintegração de propriedades que se encontram inaptas. Esses mecanismos vão desde a demonstração de regularidade ambiental da propriedade, passando por correções técnicas no uso das bases de dados existentes, até a adoção de sistemas para a regularização da propriedade perante o arranjo comercial.
Neste último procedimento, a implementação de sistemas vem sendo realizada nos Estados do Mato Grosso e do Pará e em discussão em outros estados importantes. Propriedades já foram certificadas pelos procedimentos de requalificação comercial e estas voltaram a comercializar com frigoríficos. Cabe destacar que os sistemas foram aprovados pelas Secretarias de Meio Ambiente estaduais, em arranjos negociados junto às Procuradorias da República. Entretanto, neste período de início da implementação das ferramentas, nota-se que um número importante de proprietários rurais não está fazendo a opção, e um dos motivos é a regra estabelecida para a área desmatada identificada pelo PRODES, que precisa ser cercada integralmente e a regeneração da vegetação nativa precisa ser promovida.
Diversas situações estão sendo identificadas, algumas não justificam a adesão de proprietários e a aplicação da regra. Há casos em que, no local do desmatamento, existem infraestruturas da propriedade, casas e barracões; noutros, a área em questão apresenta a melhor pastagem da propriedade; em outras situações, o tamanho a ser isolado inviabiliza a atividade produtiva. O fato é que, mesmo que os sistemas em implementação sejam mecanismos de reinclusão do pecuarista na cadeia de produção responsável e sustentável, uma agenda positiva, os números alcançados ainda são baixos, o que leva a crer que precisamos conversar mais sobre o assunto para que regras alternativas sejam discutidas e negociadas dentro de um contexto de garantias da legislação ambiental e segurança jurídica às partes envolvidas.
*Lisandro Inakake de Souza é vice-presidente da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável e gerente de projetos em Cadeias Agropecuárias no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).