Brasil está distante de cumprir compromisso de diminuir emissões do gás estufa assumido na COP26; pesquisador contesta dados oficiais sobre o rebanho brasileiro, e diz que metodologia equivocada infla número real em dezenas de milhões de cabeças.
Um estudo recente da rede Observatório do Clima indica que o Brasil está se movendo na contramão da conservação ambiental em um aspecto importante para o combate às mudanças climáticas: a emissão de metano, um gás de efeito estufa.
Segundo dados de um estudo divulgado pelo Observatório do Clima, no ano de 2023, as emissões de gás metano no Brasil alcançaram a marca de 20,8 milhões de toneladas, o que representa um crescimento de 6% em relação às 19,6 milhões de toneladas computadas em 2020. A maior parte das emissões é oriunda do setor agropecuário, em especial da chamada fermentação entérica, que é popularmente referida como o “arroto do boi”.
De acordo com o estudo, o setor agropecuário foi responsável por emitir 15,7 milhões de toneladas de metano na atmosfera em 2023, o que corresponde a 75% das emissões nacionais do gás. Esse montante representou um aumento de 1,1% em relação ao ano anterior e cravou um novo recorde brasileiro de emissões de metano.
O crescimento representa um fracasso do Brasil em cumprir obrigações junto à comunidade internacional. Em 2021, na COP26 na Escócia, o país, ao lado de mais de cem nações, havia se comprometido a reduzir em 30% o volume de metano liberado na atmosfera até 2030, tendo como referência os níveis observados em 2020.
Especialistas ouvidos pelo Jornal da Unesp dizem que o caminho para retomar o compromisso firmado em 2021 e reduzir o patamar atual de liberação de metano passa pela adoção e disseminação de práticas que aumentem a produtividade na pecuária, o que torna possível obter mais carne e leite a partir de uma quantidade menor de animais de criação.
Os pesquisadores fazem uma ressalva sobre a qualidade dos dados que embasam essa estimativa, apontando um cálculo equivocado e superdimensionado do rebanho bovino brasileiro que, segundo o IBGE, no ano passado alcançou 238,2 milhões de cabeças.
Pastagem como cultura
Se o metano é emitido pela digestão dos ruminantes, é natural que uma estratégia para sua redução envolva o estudo e aprimoramento de sua alimentação, que é majoritariamente composta por pastagens. É isso que o professor Ricardo Reis tem pesquisado ao longo das últimas duas décadas na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, no câmpus de Jaboticabal, onde trabalha com a relação entre o manejo das pastagens, suplementação alimentar e as emissões de metano pelos bovinos.
“O grande problema é que, ainda hoje, boa parte dos pecuaristas não entende a pastagem como uma cultura”, diz Reis. Ele sustenta que o capim que alimenta o gado demandaria investimentos, cuidados e técnicas de manejo adequadas por parte do produtor, da mesma forma que a soja ou o milho. Sem os devidos cuidados, essas áreas se degradam, perdem a capacidade de alimentar o rebanho e sua recuperação custa caro. O abandono, por sua vez, causa degradação e, nesse caso, o custo é ambiental.
“O que faz com que o animal produza metano é a digestão da fibra de baixa qualidade do capim no rúmen. Quando o boi come um pasto verde e de qualidade, ele vai emitir menos metano. Ao mesmo tempo, o produtor estoca carbono no solo ao preservar as pastagens. Essa é a forma mais eficiente de mitigação”, diz Reis.
Cálculo do rebanho contestado
A estimativa divulgada pelo IBGE, de um rebanho de 238,2 milhões de cabeças de gado no Brasil, é contestada pelo engenheiro agrônomo Abmael Cardoso, egresso do Programa de Pós-graduação em Zootecnia da FCAV-Unesp. A metodologia usada para calcular o rebanho, diz ele, não contempla o aumento da produtividade alcançado pela pecuária brasileira nas últimas décadas. Isso ocorre em função dos critérios adotados pela política fundiária para medir essa produtividade, o que leva a um superdimensionamento do rebanho.
Normativa do INCRA que disciplina o uso e a ocupação do território orienta que a produtividade das fazendas de produção pecuária deve ser calculada com base na taxa de lotação, calculada dividindo o número de animais pela área da propriedade. Segundo esse critério, quanto mais cabeças de gado houver na fazenda, melhor, pois mais produtiva ela é.
“Em razão dessa questão metodológica, todo o esforço do Brasil para reformar suas pastagens, adotar sistemas integrados de produção, melhorar a qualidade nutricional, entre outras tecnologias, não está sendo capturado nas estimativas de emissão, porque elas usam os dados de rebanho oficiais do IBGE, que são imprecisos”, diz o pesquisador.
O aumento de diversos indicadores de produtividade usados na produção pecuária nos últimos anos também está em linha com uma contagem equivocada dos bovinos. Dados de consultorias que atuam no setor de produção de carne mostram que, nas últimas décadas, o Brasil reduziu as áreas de pastagem ao mesmo tempo em que aumentou a produção de carne. “Existe um descompasso entre as metodologias aplicadas pela política fundiária para medir a eficiência das propriedades rurais e a política ambiental brasileira”, diz Cardoso.
Apesar das ressalvas, o agrônomo valoriza o trabalho realizado pelos órgãos estaduais e pelo IBGE, e reforça a necessidade de reduzir a liberação do metano aumentando a produtividade do rebanho. “Acredito que seja preciso elaborar estratégias de mitigação com foco na produtividade na fase de cria”, afirma, em relação ao período entre o nascimento e o desmame do bezerro. “Isso vai se refletir, no médio e longo prazo, em um rebanho menor com maior produtividade. E, consequentemente, em uma emissão de metano menor.”