A China decidiu estender por três meses a investigação sobre a importação de carne bovina que pode resultar na aplicação de medidas de salvaguardas contra o Brasil, maior exportador da proteína para lá, e outros países. A decisão, que seria tomada em agosto, agora será divulgada em novembro.
De acordo com o Ministério do Comércio da China, a prorrogação da investigação devido à “complexidade do caso”. O novo prazo para decisão do governo chinês é 26 de novembro.
O processo foi aberto em dezembro do ano passado a pedido dos pecuaristas e da indústria local, que alegam danos à produção chinesa por conta do aumento das importações da proteína nos últimos cinco anos.
Em meio à tensão comercial com os Estados Unidos, que decidiram taxar as exportações de carne bovina brasileira e outros produtos em 50%, a extensão do prazo da investigação chinesa foi bem recebida por representantes do setor produtivo. Uma liderança disse que a prorrogação tira essa “pressão” sobre o Brasil em um momento complicado.
“O adiamento da decisão vem em boa hora, no contexto atual das exportações de carne bovina. Continuaremos trabalhando para esclarecer a situação da melhor forma possível junto à contraparte chinesa”, afirmou ao Valor o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua.
A investigação chinesa não é focada no Brasil, mas pode resultar na aplicação de tarifas e cotas sobre suas importações de carne bovina caso consiga provar que houve dano ao seu mercado interno pelo aumento do volume importado nos últimos anos. O processo examina os embarques entre 2019 e 2024.
A China consome cerca de 12 milhões de toneladas de carne bovina por ano, das quais 2,5 milhões de toneladas são importadas de diversas origens. O Brasil é o maior fornecedor.
Foram embarcadas 1,3 milhão de toneladas em 2024 (cerca de 10% do consumo geral dos chineses). No primeiro semestre de 2025, os frigoríficos brasileiros venderam 641,1 mil toneladas ao país asiático, alta de 13,4% na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
O faturamento dos embarques nos seis primeiros meses deste ano foi de US$ 3,2 bilhões, incremento de 28,2% em relação ao resultado acumulado de janeiro a junho de 2024.
A estratégia brasileira, que apresentou defesa no processo chinês, foi demonstrar que os produtos que o país exporta complementam a indústria chinesa. A maior parte da carne do Brasil segue para processamento nas empresas chinesas. O objetivo da argumentação é mostrar que a carne nacional não tira mercado dos chineses.
Procurada, a Abiec, que representa o setor exportador do Brasil, ainda não se manifestou.
Medida é prevista na OMC
O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral afirmou que a prorrogação da investigação da China sobre a importação de carne bovina é uma medida prevista no acordo de salvaguardas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo ele, que atua no processo na defesa jurídica dos exportadores do Brasil, já havia indícios de extensão do prazo por conta da complexidade do caso.
“De fato, o processo é muito complexo. Apesar de o Brasil ser responsável por metade das exportações de carne bovina para a China, a investigação envolve outros países importantes, como Estados Unidos, Europa e Argentina. Envolveu uma carga grande de trabalho”, disse. Barral é sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.
A investigação, no limite, pode resultar na aplicação de cotas ou tarifas sobre a importação de carne bovina caso a China comprove que houve dano à indústria local devido ao aumento da presença da proteína estrangeira no país.
Uma fonte a par do assunto avaliou que a prorrogação é um “alívio” para o Brasil em momento que o país tenta incluir a carne bovina na lista de exceções do tarifaço dos Estados Unidos. “Se tivesse uma tarifa adicional da China, criaria uma pressão sobre exportações, em dois grandes mercados. A prorrogação mantém o mercado chinês sem qualquer tipo de turbulência”, disse, sob anonimato.
A aplicação de salvaguardas é defendida pelos pecuaristas e a indústria chinesa. O processo interessa diretamente ao Ministério da Agricultura do país, mas há resistências do Ministério do Comércio, que lidera a investigação, disse uma fonte. As negociações entre China e EUA também influencia nisso.