A IA é uma ferramenta chave para destravar desafios históricos do agronegócio. Investir em tecnologia tornou-se essencial.
Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma taxação de 50% sobre produtos importados do Brasil. A medida deve impactar diretamente o agronegócio brasileiro já que o país é um dos maiores exportadores de insumos básicos, com boa parte da produção destinada aos Estados Unidos e à Europa.
Além disso, de acordo com um levantamento realizado pela Falconi no último ano, o setor já enfrenta uma série de desafios: oscilações nos preços de commodities (23%), mudanças climáticas (16%) e questões gerenciais, como a dificuldade de conectar o planejamento estratégico à execução prática (13%) e a definição de estratégias comerciais eficazes (13%).
Diante de um cenário tão complexo e relevante para a economia nacional, investir em tecnologia tornou-se essencial. O movimento global que teve início com a chegada do ChatGPT, há quase três anos, impulsionou todas as indústrias a olharem com mais atenção para o potencial da inteligência artificial e no agronegócio não foi diferente.
Atual cenário
Dentro do agro, existem diversos subsetores, que vão desde usinas de cana até empresas voltadas à produção de insumos. Em muitas delas, a estrutura não conta com uma equipe de vendas tradicional, o que tem impulsionado o uso da IA para aprimorar a etapa comercial, além de auxiliar nos processos de produção. Essa aplicação resulta em um relacionamento mais eficiente com fornecedores e oferece suporte estratégico à tomada de decisão.
Já empresas com áreas comerciais estruturadas têm aproveitado a inteligência artificial também no relacionamento com o cliente final, auxiliando para a redução de custos de atendimento, tornando a operação mais eficiente, além de fornecer informações em tempo real para vendedores durante o contato com consumidores.
Em setores voltados ao plantio, como o de cana-de-açúcar ou florestamento, a tecnologia tem apoiado diretamente a área de gestão e planejamento, com dashboards visuais que facilitam a análise de dados e tornam as decisões mais assertivas.
Aplicações e benefícios
Hoje, a IA é uma ferramenta fundamental para destravar desafios históricos do agronegócio. As empresas entenderam que modernizar-se é um passo fundamental para garantir vantagem competitiva e decisões baseadas em dados concretos. Isso se reflete em maior produtividade, treinamentos internos mais eficazes e colaboradores mais bem preparados.
Outro ponto importante é o uso dos chamados agentes de I A, que ajudam a gerar insights ao cruzar dados relevantes. É possível, por exemplo, analisar a produtividade de uma fazenda e indicar qual deve ser o próximo plantio para otimizar o fluxo de caixa e obter maior retorno sobre o investimento.
Desafios
Apesar dos avanços, a implementação da IA ainda encontra barreiras, principalmente internas. A resistência dos usuários e a falta de preparo das equipes dificultam a implementação das ferramentas. Outro entrave está na infraestrutura de dados. Para que as soluções de IA gerem valor, é necessário um trabalho prévio de engenharia de dados, entender de onde vêm as informações, como se conectam e organizá-las de maneira limpa e estruturada. Sem isso, a IA não consegue entregar respostas confiáveis ou relevantes.
Por isso, o engajamento dos times e a estruturação dos dados são pontos relevantes, que exigem investimento, capacitação e disposição para mudar. O agronegócio tende a priorizar aportes diretamente ligados à produção, mas é fundamental olhar também para a transformação digital.
O futuro
O uso da IA no setor, nos próximos anos, dependerá do investimento em pessoas qualificadas e em empresas que compreendam a fundo o core do negócio. Contar com companhias especializadas é também contar profissionais que conhecem tanto a tecnologia quanto a realidade do mercado e são capazes de apoiar a organização dos dados, estruturação dos sistemas e aplicação da IA de forma prática e confiável.
Com a evolução da IA, os projetos se tornam cada vez mais personalizados e, por conta disso, é tão importante avaliar o que o cliente possui em termos de tecnologia, ferramentas e fontes de dados para que, juntos, sejam definidos os primeiros passos e construído um plano de ação.
A inteligência artificial é a alavanca para o próximo estágio. Embora não resolva sozinha todos os problemas, ela é um suporte imprescindível. Em um momento em que a geopolítica afeta diretamente os negócios, a IA pode ser essencial para sustentar e ampliar o sucesso das empresas do agronegócio brasileiro.
Diante deste cenário e para entender melhor a impacto da inteligência artificial no sistema de produção de proteína anima, a Mundo Agro foi conversar com Ana Paula Trudo, Diretora Comercial responsável por Offerings de Retail e com Driely Delsin, Gerente de Vendas de Varejo, CPG, Agronegócio e Manufatura, ambas da Everymind, líder e referência em implementações Salesforce há mais de 10 anos no mercado.
Carnes em geral e ovos. Qual é o impacto da IA no sistema produtivo?
O agronegócio brasileiro já faz uso da tecnologia no seu processo produtivo há muitos anos. Mais recentemente, com o avanço das soluções baseadas em inteligência artificial, o agronegócio se vê diante da possibilidade de aumentar, de forma significativa, a eficiência do seu processo produtivo, a qualidade dos seus produtos e de ter uma cadeia produtiva mais sustentável.
A aplicação da inteligência artificial na otimização do processo produtivo, especialmente no que se refere a carnes e ovos, é observada em várias frentes.
Já é possível, por exemplo, monitorar a saúde das aves, por meio de soluções baseadas em inteligência artificial. Tais soluções alertam sobre mudança no padrão de comportamento dos animais, e são capazes de antever doenças mesmo antes do aparecimento dos primeiros sintomas. E, dessa maneira, o produtor consegue prevenir epidemias, que impactam exportações.
Através de IA, também é possível consolidar dados de peso, idade e condições de saúde do animal, com o objetivo de definir uma dieta mais adequada para cada tipo de animal, respeitando a particularidade de cada espécie, granja e objetivo da criação e produção.
O agronegócio também já usa IA na otimização do processo produtivo, com soluções que garantem as condições climáticas, de luminosidade, ventilação e umidade dos criadouros. Já é possível observar o uso de robôs e automações para processos repetitivos, como, por exemplo, processo de ordenha para produção de leite.
Atualmente já é possível ter rastreabilidade de toda a cadeia produtiva, desde os insumos primários até a distribuição do produto final. E, neste processo, a IA veio para ajudar na avalição de dados, criando modelos preditivos que geram insights – cujo objetivo primário é mitigar riscos, antecipar eventuais problemas, reduzir custo operacional e aumentar a eficiência de toda a cadeia. E o agronegócio se beneficia de margens mais competitivas.
O uso de inteligência artificial no campo é o caminho para uma produção mais eficiente, inteligente e sustentável. E são esses os fatores que vão tornar o agronegócio brasileiro mais competitivo e mais preparado para reagir a circunstâncias geopolíticas e climáticas que tanto afetam este setor.
E na hora da compra e venda? O que muda com a IA?
O uso de tecnologia para otimizar processos de compra e venda B2B não é uma novidade. A indústria já se beneficia de soluções de gestão e plataformas de CRM, que ajudam na implementação de processos mais robustos, sofisticados, automatizados e em conformidade com regulações legais, fiscais e tributárias.
Entretanto, com a chegada da inteligência artificial, a indústria consegue transformar a experiência do consumidor por meio de hiperpersonalização e uso de modelos preditivos que tornam os processos mais inteligentes.
Um dos processos que mais se beneficiam do uso desses modelos preditivos é a previsão de demanda e gestão de estoques. Por meio do uso de algoritmos, é possível cruzar dados de sazonalidade, tendências de consumo, índices de inflação, eventos climáticos e milhares de outras informações relevantes, com o objetivo de planejar demandas futuras. E, com isso, a indústria pode conduzir os seus processos de negociação com fornecedores de forma mais efetiva.
Isso faz com que a indústria consiga trabalhar com estoques mais reduzidos e ciclos de compra programados, trazendo melhora para o fluxo de caixa, o que permite uma melhor gestão de ativos.
Na outra ponta, com o uso de IA, o varejo também consegue planejar melhor seus pedidos, reduzir desperdício, evitar descarte de produtos vencidos, e reagir a demanda de forma organizada.
O mesmo modelo preditivo pode ser adotado para o processo de formação de preços e campanhas comerciais e de incentivo. Os preços podem ser dinâmicos, e as campanhas inteligentes, sem que isso represente um pesadelo operacional para a indústria.
No processo de vendas, o uso de personalização transforma a relação com o consumidor.
Estamos na era dos agentes autônomos, capazes de usar interpretação de linguagem natural, para falar com os clientes, em contextos não estruturados. É a transformação do modelo de autosserviço, onde o agente autônomo toma decisões e ações, sem necessitar de uma árvore de decisão estruturada.
E aqui está a maior transformação promovida pela IA no processo de vendas: ofertas personalizadas de forma individual, autosserviço inteligente, omnicanalidade (estratégia que visa integrar todos os canais de contato de uma empresa , como lojas físicas, site, redes sociais, aplicativos, etc., para oferecer uma experiência de compra unificada e personalizada ao cliente, recorrência que aumenta a previsibilidade de receita.
Temos hoje um consumidor muito mais informado e exigente, e não há outro meio de prover um serviço de altíssimo nível sem o recurso da tecnologia e inteligência artificial.
Além da personalização da jornada do consumidor, a Inteligência Artificial também revoluciona os processos internos de vendas, especialmente em empresas do setor agro que lidam com pedidos recorrentes e complexos para grandes redes varejistas. A IA é capaz de ler documentos como PDFs, planilhas ou e-mails com pedidos extensos, identificar automaticamente os SKUs, quantidades e condições comerciais, e integrar essas informações diretamente aos sistemas de gestão e faturamento. Esse fluxo elimina etapas manuais, reduz erros, acelera a geração de pedidos e libera o time comercial para atuar de forma mais estratégica, fortalecendo o relacionamento com o cliente e ampliando oportunidades de negócio. O vendedor deixa de ser um digitador de pedidos e passa a ser um parceiro de crescimento para o cliente.
Erros e acertos e onde os produtores devem ficar atentos.
Inteligência artificial não é mágica, e não funciona sozinha. Aprendemos um pouco mais sobre a IA todos os dias, e os desafios para o bom uso de IA ainda são muitos. Agora, citamos alguns:
Necessidade de ter dados de alta qualidade.
O primeiro passo para iniciar qualquer jornada com uso de IA é entender quais dados estão disponíveis, qual a qualidade desses dados, que base histórica está sendo considerada para análise, quais são as fontes desses dados, como eles estão estruturados. Engenheiros de dados, arquitetos de solução e especialistas funcionais são perfis cruciais para ajudar nessa estruturação de dados.
A IA só será capaz de gerar informações relevantes se as fontes de dados forem adequadas. Portanto, aqui está o início de tudo.
Capacitação profissional
Quer começar a usar IA no seu processo de compra e venda, no seu processo produtivo, na sua análise de resultados? Aposte em uma equipe que reúna as competências necessárias para ajudar no processo.
Algumas empresas preferem ter uma equipe interna multidisciplinar, outras empresas optam por parcerias com empresas de tecnologia especializadas. E existem modelos híbridos, onde as equipes internas atuam como business partner e o parceiro especializado como o braço de estratégia e execução.
Independente do modelo, é mandatório identificar os perfis e competências para cada tipo de projeto.
Investimento em tecnologia
É importante planejar verba orçamentária para viabilizar investimentos em tecnologia com uso de inteligência artificial.
Projetos de IA ainda levam tempo e, por vezes, requerem soluções de custo recorrente.
E para os consumidores, o que muda?
A IA pode transformar as relações de consumo, a maneira como o consumidor compra e sua interação com produtos e serviços.
“O cliente tem sempre razão”, e agora ele também tem o poder.
O consumidor decide por qual canal ele quer comprar determinado produto ou serviço, e como ele quer ser abordado. Além de respeitar as políticas de privacidade e tratamento de dados, a indústria também precisa entender as preferências deste consumidor, para aumentar a conversão de vendas.
Ofertas personalizadas e promoções inteligentes, entregues com a frequência, no momento e no canal correto são determinantes para garantir não somente a conversão, mas também a fidelização do cliente.
Além de facilitar a jornada de compra e relacionamento, a IA também revoluciona o pós-venda, entregando uma experiência mais fluida e eficiente para o consumidor. Imagine um cliente que precisa registrar uma reclamação, tirar dúvidas ou fazer um novo pedido fora do horário comercial. Com o apoio de agentes autônomos e modelos de linguagem natural, a empresa pode oferecer atendimento 24 horas por dia, 7 dias por semana, com respostas assertivas e resolutivas — não apenas encaminhamentos para humanos no dia seguinte. Em um mundo cada vez mais acelerado, em que as pessoas lidam com seus compromissos profissionais e pessoais a qualquer hora do dia, oferecer suporte no momento exato em que o cliente precisa, com clareza, empatia e capacidade de ação, é um diferencial competitivo. A IA permite isso: um atendimento que respeita o tempo do consumidor, reduz fricções e fortalece a relação com a marca.
IA e conveniência também andam juntas. Esperar o cliente abrir seu aplicativo, visitar seu site ou sua loja física é reagir a demanda. Que tal, de forma proativa, entregar o que seu cliente precisa com base no seu comportamento histórico, tendência e frequência de compra?
Entender o consumidor e seus valores é fundamental. Estamos diante de um cliente empoderado, sendo atingido por ofertas por todos os lados, disperso e sem tempo e paciência para atrito no processo de compra.