Tarifa dos EUA pode gerar perdas anuais de até US$ 17 bilhões nas exportações brasileiras e reduzir investimentos estrangeiros
Com impacto imediato no comércio exterior, medida pode provocar uma redução de 42% nas exportações do Brasil para os Estados Unidos, com reflexos no mercado de trabalho e no PIB nacional. Especialista em comércio exterior defende que a ‘tarifa política’ exige uma solução diplomática para não comprometer avanços em setores importantes da economia do país.
O anúncio da tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, feito pelo presidente Donald Trump nesta semana, tem efeitos imediatos no comércio exterior brasileiro. A medida, que passa a valer em 1º de agosto, é vista por analistas como uma ‘tarifa política’ e inverte a lógica das sanções tradicionais dos EUA. Segundo o especialista em comércio exterior Rogério Marin, CEO da Tek Trade e presidente do Sindicato das Empresas de Comércio Exterior de Santa Catarina (SINDITRADE), o prejuízo anual para as exportações do Brasil pode variar entre US$ 12 bilhões e US$ 17 bilhões (R$ 70 bilhões a R$ 100 bilhões), o que representa entre 3,6% e 5% das exportações totais do país. Esta estimativa, segundo a métrica adotada pela CNI, pode representar uma perda de 432 mil a 612 mil empregos. Em termos de PIB, Marin estima um impacto negativo entre 0,6 e 0,8% ao ano no PIB total brasileiro.
“Não estamos diante de uma tarifa econômica, mas sim de uma ‘tarifa política’, já que os números da cadeia de comércio entre os dois países contradizem os argumentos apresentados pelo presidente Donald Trump de que o Brasil estaria se utilizando de ‘práticas comerciais injustas’. O impacto deve ser sentido principalmente nas exportações da indústria de transformação, que representa mais de 78,3% das vendas brasileiras aos americanos”, explica Marin.
Em 2024, os EUA absorveram 12% das exportações brasileiras, totalizando US$ 40,3 bilhões, segundo a Amcham Brasil e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Conforme o especialista, a nova tarifa encarecerá produtos brasileiros em até US$ 20,15 bilhões por ano, reduzindo sua competitividade frente a fornecedores do México e Canadá, por exemplo, e pode provocar uma queda de até 42% nas exportações do Brasil para os EUA. Entre os setores mais afetados estão petróleo, aço, aeronaves, café e carne bovina. Só o aço e o alumínio devem registrar uma queda superior 11,2%, o equivalente a US$ 1,5 bilhão nas exportações, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Apesar da forte repercussão nas exportações, Marin chama atenção para um risco ainda maior: o Investimento Estrangeiro Direto (IED). Os EUA respondem por mais de 25% do IED no Brasil, com um estoque de US$ 300 bilhões. “O elefante na sala é o IED. Sem ele, a modernização da infraestrutura que dá suporte a expansão da economia brasileira fica comprometida. Isso representa um risco econômico maior do que as exportações ou a balança comercial, caso o governo americano demonstre desinteresse em investir no Brasil. Setores como tecnologia, automotivo e energia, que empregam diretamente milhares de trabalhadores, seriam os mais afetados, com impactos no PIB e no mercado de trabalho. A solução precisa ser diplomática”, alerta.
Os reflexos no mercado interno também devem ser sentidos. Produtos como o café, principal item exportado para os EUA no segmento de alimentos, podem ter redução de preço no mercado brasileiro, pela dificuldade de destinação a outros países.
Sul pode perder até US$ 2,3 bilhões
A Região Sul, responsável por quase 30% das exportações brasileiras para os EUA, também deve sentir os efeitos. Segundo Rogério Marin, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul podem sofrer perdas anuais estimadas entre US$ 1,6 bilhão e US$ 2,3 bilhões (R$ 9 bilhões a R$ 13 bilhões), o equivalente a 4,7% e 6,8% das exportações totais da região Sul. O impacto nos empregos pode variar entre 50 mil e 70 mil postos de trabalho perdidos, com reflexos no PIB regional entre 0,7% e 1%. Setores como carnes, madeira, móveis e químicos tendem a sofrer mais.
Em Santa Catarina, estado com forte base industrial, as perdas anuais podem atingir US$ 700 milhões, afetando principalmente os segmentos de carne de aves e suína, motores elétricos e móveis. No Paraná, o impacto pode alcançar US$ 2,3 bilhões, com queda de até 35% nas exportações, em especial na agroindústria e na indústria de transformação. Produtos como soja e carnes de aves enfrentarão forte concorrência. Já o Rio Grande do Sul pode perder até 30% de suas exportações, um impacto estimado de US$ 950 milhões, sobretudo em químicos e carnes.
“Os impactos variam conforme a dependência de cada estado ao mercado norte-americano e a composição de suas exportações. A tarifa pode ampliar o déficit comercial dos estados do Sul com os EUA, que em 2024 foi de US$ 0,9 bilhão. A redução nas exportações pode impactar o PIB regional em até 1%, com efeitos em cadeias produtivas locais”, conclui Marin.
A Mundo Agro também foi ouvir com exclusividade as explicações de Marcos Piellusch, professor da FIA Business School.
Acompanhe a entrevista:
China, EUA e Brasil: quais os impactos globais da nova política econômica americana? E o que isso significa para o agronegócio e produção de proteína animal?
Em 1º de agosto, os EUA passarão a aplicar uma tarifa geral de 50% sobre importações brasileiras, incluindo carne, café e suco — medida com grande impacto comercial.
No curto prazo, a carne bovina exportada ao mercado americano se torna inviável, gerando queda de demanda e risco de perda de participação. No entanto, empresas brasileiras como JBS e Minerva já operam em mercados internacionais e podem recompensar esse impacto redirecionando produção para mercados como China, Europa, Sudeste Asiático e Oriente Médio. A dependência final da China — que já responde por ~46% das exportações de carne e 70% da soja — torna-se ainda mais estratégica. O agronegócio brasileiro passa por um rearranjo, onde parte da perda nos EUA é compensada pelo aumento de vendas em outros destinos.
Cenário econômico global e política internacional do Brasil: qual o momento do país diante dessa tensão?
O Brasil responde criando um grupo de trabalho para coordenar retaliação sob a nova lei de reciprocidade comercial, buscando diálogo com empresas e negociações multilaterais. Apesar da crise tarifária, a economia brasileira mantém estabilidade com projeção de crescimento de cerca de 2,5% do PIB em 2025, inflação em torno de 5,3%, e juros (Selic) estáveis em 15%. No âmbito internacional, o Brasil se reposiciona como fornecedor de commodities, energia e alimentos, mediante diplomacia com China, União Europeia e Mercosul.
Guerra comercial (ex.: EUA x China): quais os impactos para o Brasil e formas de proteção?
A tarifa americana provoca efeitos diretos e indiretos:
- Redução de demanda em setores específicos como carne bovina, café e suco, prejudicando receita e margens.
- Volatilidade cambial, com desvalorização do real (~2–3%) já observada, seguida de alta da taxa de juros doméstica.
- Pressão inflacionária, caso o custo do dólar e dos alimentos importados suba internamente.
Para enfrentar isso, o Brasil precisa:
- Diversificar mercados além dos EUA (China, UE, Oriente Médio).
- Fortalecer infraestrutura logística (portos, modais).
- Formalizar novos acordos comerciais e tarifários.
- Utilizar hedge cambial e tarifas defensivas por meio de instrumentos financeiros.
Economia chinesa: pode compensar a taxação dos EUA? Qual o futuro da relação Brasil–China?
Sim. A China segue como comprador dominante, principalmente de soja e carne. A demanda por proteína animal e derivados continua firme, compensando em parte as perdas com tarifas americanas. Protocolos recentes para exportação de subprodutos do etanol (DDGs) ao mercado chinês demonstram o estreitamento da parceria, com ganhos estratégicos para o Brasil. No entanto, é crucial que o país evite dependência excessiva, promove termos de troca equilibrados e aproveitamento de aprendizado tecnológico.
Crises econômicas internacionais: como o Brasil pode se antecipar e mitigar impactos?
- Erros históricos: foco comercial concentrado, dependência financeira e reação lenta.
- Sucessos recentes: construção de reservas cambiais robustas, taxa de câmbio flutuante, integração com parceiros globais e resiliência do agronegócio.
Para se proteger, o Brasil deve:
- Manter política fiscal responsável e previsível.
- Estimular inovação e agregação de valor em exportações.
- Aprofundar diversificação geográfica e setorial.
- Participar ativamente de cadeias globais de valor.
- Projeções macroeconômicas frente a esse impasse internacional
- Inflação: deve encerrar 2025 entre 5% e 5,3%, com desconforto pontual em alimentos.
- Selic: permanece em 15% até o final do ano, com possíveis cortes apenas em 2026.
- Desemprego: deve se manter em torno de 6%, com mercado firme.
- PIB: crescimento esperado de 2,5% em 2025, desacelerando levemente em 2026.
O impacto tarifário porta um choque adicional, mas a resiliência macroeconômica e exportações sólidas, especialmente do agronegócio, ajudam a mitigar seus efeitos.
Câmbio e dólar: projeções para o segundo semestre
O dólar deve oscilar entre R$ 5,20 e R$ 5,70, influenciado por decisões políticas nos EUA, tarifas, fluxo de capitais e cenário eleitoral. O Banco Central continuará atuando com swaps para conter picos excessivos.
Bolsa de valores e agronegócio: impacto no sistema de produção de proteína animal
A B3 apresentou volatilidade em julho, liderada por queda em empresas exportadoras. Apesar disso, no acumulado de 2025, mantém performance positiva, beneficiada pela valorização do dólar e firmeza no agronegócio. Empresas como JBS, Minerva e BRF têm margem para recuperar volume e fluxos, realocando vendas. A produção de proteína animal deverá se manter forte, ainda que contenha custos com insumos e logísticas; a diversificação global e modelos de operação em outros países são determinantes nesse ajuste.
Conclusão
As tarifas americanas representam um choque real para o agronegócio brasileiro, especialmente nos segmentos de carne bovina e café. Entretanto, o Brasil ajusta sua estratégia com redirecionamento de mercados, diversificação de exportações e fortalecimento de laços diplomáticos. A posição do país como fornecedor global de alimentos, energia e commodities continua sólida, mas exige adaptação, investimento em infraestrutura e uso estratégico de instrumentos de proteção para sustentar seu crescimento e resiliência.