Rafael Azevedo – Alta
Hilton Diniz Neto – Nutron/Cargill
Gabriel Ferreira – DataPEC
Valdir Chiogna – Milk + Consultoria
Sandra Gesteira – Escola de Veterinária UFMG
O período de pós-desaleitamento, compreendido entre 80 e 150 dias de idade, é crucial para o desenvolvimento das bezerras leiteiras, devido a mudança da dieta líquida para sólida e às demandas nutricionais específicas necessárias para sustentar o crescimento acelerado, a formação de tecidos e a transição eficiente. Durante essa etapa, o manejo nutricional desempenha papel determinante na saúde, na eficiência alimentar e no desempenho futuro dos animais.
De acordo com as recomendações atuais, é essencial ajustar as dietas das bezerras nessa fase, atendendo às exigências de energia, proteína, minerais e vitaminas, garantindo, assim, ganho médio diário entre 800g e 1kg. Para isso, a formulação das dietas deve priorizar ingredientes de alta digestibilidade e qualidade, que maximizem o desenvolvimento ruminal e a eficiência na utilização dos nutrientes, sem provocar enchimento do rúmen.
A adoção do manejo nutricional estratégico durante este período prepara as bezerras para o desempenho ideal e contribui para a redução dos custos totais de criação, promovendo maior sustentabilidade e lucratividade nos sistemas de produção.
Este artigo técnico apresenta diretrizes práticas para o manejo nutricional eficiente no pós-desaleitamento, com base nas recomendações recentes. Além disso, discute estratégias que auxiliam produtores e técnicos a alcançarem melhores resultados no desenvolvimento dos animais nessa fase de vida.
Nutrição estratégica no pós-desaleitamento
Após serem desaleitadas, as bezerras enfrentam uma série de desafios fisiológicos, metabólicos e sociais, tornando essa fase uma das mais desafiadoras de todo o sistema de criação. Durante esse período, é necessário implementar ações, como alterações no manejo, protocolos sanitários e nutrição, visando a saúde e o desempenho dos animais:
- Aspecto nutricional: o crescimento corporal acelerado, associado a alta demanda de nutrientes para sustentar o desenvolvimento ósseo, muscular, glandular e ruminal, deve ser levado em consideração ao formular dietas para essa categoria. A nutrição adequada nessa fase é indispensável para assegurar que os animais atinjam seu potencial;
- Reduzir a ocorrência de doenças;
- Aumentar a eficiência alimentar.
É fundamental implementar dieta ajustada para atender às exigências nutricionais dessa categoria e para isso alguns pontos devem ser levados em consideração, tais como:
Composição da dieta
A dieta deve priorizar ingredientes de alta digestibilidade, com o balanceamento adequado de energia, proteínas, minerais e vitaminas. O objetivo é assegurar o ganho de peso diário entre 800 g e 1 kg, promovendo a formação de tecidos magros e o desenvolvimento eficiente do sistema ruminal.
Relação volumoso e concentrado
Durante a fase de aleitamento,as bezerras recebem dieta composta por leite e/ou sucedâneo,concentrado e, em alguns casos,até 5% de forragem. Após o desaleitamento,devemos formular uma dieta total (TMR) com inclusão de forragem,sem provocar enchimento ruminal, o que poderia reduzir o consumo de concentrado.
Dessa forma, indica-se dietas concentradas para essa categoria, com proporções que podem chegar a 90% de concentrado e apenas 10% de volumoso, sempre considerando a disponibilidade e qualidade do volumoso disponível.
Outro ponto de atenção é o tamanho de partícula do volumoso, para que não haja seleção negativa pelo animal, ou cause enchimento ruminal por partículas longas. Essas estratégiassão eficazes para maximizar a ingestão de nutrientes essenciais, como energia e proteínas, enquanto garante o aporte adequado de fibra para a saúde ruminal.
O uso de dietas concentradas promove aumentono ganho de peso dessa categoria. Além disso,a inclusão de pequenas quantidades de forragem pode aumentar o consumo de matéria seca, quando comparadas a dietas sem forragem.
Entre os ingredientes concentrados, milho e farelo de soja se destacam pela alta digestibilidade e boa aceitabilidade dos animais.A casca de soja também pode ser uma alternativa interessante, especialmente para controlar o teor de amido da dieta.Quantoao volumoso, opções como feno, pré-secado ou silagem de milho podem ser utilizadas, desdeque tenham sido bem confeccionadas, armazenadas adequadamente e que apresentem partículascom tamanho ideal entre 2 e 4 cm.
Proteína e Energia
Estudos têm demonstrado eficácia de dietas mais densas em energia e proteína para a fase de pós-desaleitamento, contribuindo para o ganho de peso e o bom desenvolvimento corporal dos animais. Essas formulações podem conter até 2,8 a 3,0 Mcal de energia metabolizável por kg de matéria seca (MS) e 20 a 21% de proteína bruta na MS, de acordo com o objetivo de crescimento da categoria.
É importante lembrar que dietas mais adensadas em energia nessa fase devem apresentar valores adequados de amido. O teor de amido da dieta pode variar entre 20 e 35% na MS, dependendo da qualidade e digestibilidade dos ingredientes utilizados. Níveis adequados de amido promovem maior produção de ácidos graxos voláteis no rúmen, essenciais para o desenvolvimento das papilas ruminais e a eficiência digestiva.
Por outro lado, é fundamental monitorar esses valores com cuidado para evitar riscos de acidose ruminal, garantindo aporte balanceado de fibra fisicamente efetiva e o manejo alimentar adequado.
Relação entre proteína e energia metabolizável
A relação entre proteína metabolizável (PM) e energia metabolizável (EM) é crucial no manejo nutricional de bezerras em fase de pós-desaleitamento, já que influencia diretamente o crescimento, a formação de tecidos magros e a eficiência alimentar. Para essa categoria, a proporção ideal é de 48 a 50g de PM por Mcal de EM. Essa relação garante que as exigências de proteína sejam atendidas em equilíbrio com a energia disponível, evitando excessos que poderiam sobrecarregar o metabolismo e causar aumento do custo da dieta,ou deficiências que comprometeriam o desenvolvimento corporal, aumentando a deposição de gordura no corpo.
Minerais e Vitaminas
Os minerais e vitaminas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento saudável das bezerras após o desaleitamento. Eles são responsáveis por funções vitais, como a formação óssea e muscular, o fortalecimento da imunidade, a regulação do metabolismo e a eficiência na digestão e absorção de nutrientes. Além disso, contribuem para o crescimento equilibrado e o bom desempenho reprodutivo no futuro. Garantir níveis adequados desses micronutrientes é essencial para a saúde geral e a produtividade dos animais. As recomendações específicas para essa fase estão detalhadas na tabela a seguir:
*Valores calculados considerando bezerras após o aleitamento, com aproximadamente 120 kg com ganho médio de 800g/dia (NASEM, 2021).
Tabela 1 – Exigências de minerais e vitaminas para bezerras da raça Holandês na fase de pós-aleitamento
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*Valores calculados considerando bezerras após o aleitamento, com aproximadamente 120 kg com ganho médio de 800g/dia (NASEM, 2021).
Aditivos funcionais
O uso de ionóforos, como monensina ou lasalocida, é altamente recomendado durante a fase de pós-desaleitamento para otimizar a fermentação ruminal e prevenir problemas metabólicos e sanitários. Esses compostos agem modulando a microbiota ruminal, favorecendo bactérias que produzem ácidos graxos voláteis (AGVs) e reduzindo a produção de gás metano, o que melhora a eficiência alimentar e o desempenho dos animais. Além disso, sua eficácia na prevenção da coccidiose os torna ferramentas essenciais para sistemas de produção intensiva.
Paralelamente, o uso de prebióticos, probióticos e pósbióticos tem ganhado destaque como alternativas ou complementos às estratégias tradicionais. Essas opções ajudam a modular a microbiota ruminal, reduzindo o risco de ocorrência de acidose bem como aumentando a produção de AGVs, a estabilizandoa microbiota intestinal, aumentando a resistência dos animais a patógenos entéricos e reforçando o sistema imunológico, contribuindo para a saúde geral.
Prebióticos e probióticos ainda contribuempara a digestibilidade de nutrientes e para um ambiente ruminal mais estável, enquanto os pósbióticos fornecem metabólitos bioativos que potencializam esses efeitos.
A combinação dessas estratégias nutricionais, aliando ionóforos e aditivos funcionais, representa uma abordagem integrada e eficiente para promover saúde, bem-estar e máximo desempenho das bezerras leiteiras em uma fase estratégica de desenvolvimento.
Manejo nutricional
- Formule a dieta com base nos valores de matéria seca (MS), garantindo consistência no fornecimento diário para atender às exigências nutricionais das bezerras;
- Monitore o consumo diário dos animais;
- Alterações na dieta devem ser feitas de forma gradual, reduzindo o risco de distúrbios metabólicos, como acidose ruminal, garantindo a adaptação saudável do sistema digestivo;
- Realize pesagens periódicas para acompanhar o desempenho das bezerras e ajustar a dieta conforme necessário;
- Dietas formuladas para vacas em lactação ou outros animais não atendem às exigências nutricionais específicas das bezerras na fase de pós-desaleitamento e devem ser evitadas;
- Garanta espaçamento mínimo de cocho de 40 cm;
- Crie grupos homogêneos e com o máximo de 10 animais por lote;
- Garanta o fornecimento contínuo de água limpa e fresca.
Considerações Finais
A fase de pós-aleitamento é decisiva para o futuro das bezerras leiteiras, exigindo uma abordagem nutricional estratégica e precisa. A aplicação de dietas bem balanceadas, que atendam às exigências específicas de energia, proteína, minerais e vitaminas, é essencial para garantir o crescimento saudável e o desempenho futuro desses animais.
O alinhamento com diretrizes atualizadas, como as do NASEM (2021), e a incorporação de tecnologias nutricionais avançadas, oferecem umdiferencial significativo no manejo dessa categoria. Ao integrar essas práticas, os produtores podem melhorar a saúde e o bem-estar dos animais, assim comopromover a sustentabilidade e a lucratividade do sistema de produção.
Por fim, o sucesso nesta etapa depende do monitoramento constante, da implementação de ajustes baseados no desempenho e da atenção aos detalhes na formulação das dietas e no manejo alimentar. Bezerras bem nutridas e manejadas no pós-desaleitamento estarão mais preparadas para expressar todo seu potencial genético e contribuir com consistência para os objetivos da produção leiteira no longo prazo.