Começamos pelo desafio de reduzir as emissões
A urgência climática global impõe ao Brasil e aos demais signatários do Acordo de Paris a necessidade de cumprir suas metas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no âmbito do Acordo de Paris. Nesse contexto, a recuperação e o uso eficiente do solo emergem como estratégias centrais, uma vez que a agricultura, pecuária e mudanças no uso da terra (LULUCF) estão entre os principais vetores das emissões brasileiras. A NDC brasileira estabelece o compromisso de neutralizar a emissão de carbono até 2050, sendo que a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas é um dos pilares dessa meta, sinalizando o protagonismo do setor agropecuário na solução climática.
De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o setor de Agropecuária representa cerca de 27% das emissões totais do Brasil, com a pecuária de corte e leite sendo um dos componentes principais, com o metano proveniente do rebanho. Iniciativas que visam reduzir a intensidade de emissões por quilo de produto e sequestrar carbono no solo tornaram-se a prioridade dos últimos anos.
Mensurando o desafio e demonstrando os avanços
Essa evolução e investimento em ciência por parte do setor foram ilustrados recentemente na série especial “Nosso Prato” do Jornal Nacional, reforçando que a discussão sobre pecuária e clima precisa levar em conta diferentes fatores: não é mais somente o animal, mas também o manejo. A reportagem trouxe luz a alguns dos estudos da Embrapa sobre os protocolos de Carne Carbono Neutro (CCN) e Baixo Carbono (CBC), mostrando que o solo funciona como um poderoso “reservatório”. A dinâmica apresentada constatou que enquanto pastagens degradadas emitem, um pasto bem manejado atua como uma “esponja”, sequestrando CO2 da atmosfera e fixando-o no solo através das raízes. Essa ciência, validada por pesquisadores da instituição, comprova que a adoção de alta tecnologia no campo pode neutralizar as emissões de metano do gado, transformando a pecuária tropical de emissora em uma potencial aliada do equilíbrio climático.
Durante a COP 30, no espaço AgriZone, a Embrapa montou uma vitrine onde era possível ver a profundidade e massa de raízes de diferentes plantas tropicais comparadas com diferentes tipos de capim:

Nada melhor que uma imagem para demonstrar esse potencial de virada do jogo que a pecuária pode proporcionar.
Destacando o tamanho da oportunidade, um estudo recentemente conduzido, também pela Embrapa, e publicado na revista internacional Land, revela o potencial significativo de terras degradadas para a expansão agrícola sustentável no Brasil. A pesquisa indica que o país possui cerca de 28 milhões de hectares de pastagens plantadas que se encontram em níveis de degradação intermediária e severa, mas que apresentam potencial para a implantação de culturas agrícolas, uma estratégia crucial para o aumento da produção sem recorrer a novas áreas de desmatamento. Esse montante representa uma parcela da vasta área de pastagens brasileiras, estimada em 177 milhões de hectares, das quais o Atlas das Pastagens do LAPIG/UFG aponta que aproximadamente 60% já exibem algum nível de degradação (sendo 20% em estágio severo). A recuperação e conversão dessas áreas degradadas em sistemas agrícolas produtivos (como culturas anuais ou sistemas integrados) não apenas aumenta a eficiência no uso da terra, mas também contribui para a mitigação de gases de efeito estufa e a melhoria da saúde do solo[1].
Importante ressaltar que a solução para uma pastagem degrada não se resume à conversão para agricultura, uma vez que é necessário um estudo de aptidão. Nessa avaliação da área, a primeira opção a ser considerada é a continuação da atividade pecuária através das técnicas de recuperação de pastagem.
O Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD) também conhecido como Caminho Verde, liderado pelo MAPA, elaborou estudos que mapearam o potencial de conversão em nove estados estratégicos do país (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Rondônia, São Paulo e Pará)[2].
O mapeamento identificou um total de aproximadamente 27,7 milhões de hectares (Mha) de pastagens com potencial para recuperação ou conversão em sistemas sustentáveis, área distribuída em 1,02 milhão de imóveis rurais privados. O estudo detalha a flexibilidade de uso dessas áreas, estimando o potencial para diversos sistemas produtivos:
- 25,1 Mha apresentam potencial para a intensificação da pecuária de corte.
- 16,9 Mha para a pecuária de leite.
- 11,5 Mha para a silvicultura.
- 8,8 Mha para a agricultura.
- 7,1 Mha para sistemas agroflorestais.
- 2,6 Mha para sistemas integrados (como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta – ILPF).
Potencializando a execução através do financiamento
Para que o Caminho Verde se concretize e a conversão dessas áreas seja efetivada, é estimado pelo MAPA que sejam necessários investimentos iniciais de aproximadamente R$139 bilhões, além de custos operacionais anuais que podem atingir a cifra de R$90,8 bilhões. O sucesso do programa depende, portanto, da mobilização de recursos e da adaptação das estratégias de recuperação e investimento às realidades locais de cada estado mapeado.
O segundo leilão do Programa Eco Invest Brasil, uma iniciativa estratégica do governo federal para mobilizar capital privado em projetos de sustentabilidade, demonstrou um sucesso significativo ao atrair uma demanda de R$ 17,3 bilhões em recursos catalíticos, provenientes de 11 instituições financeiras, segundo o disponível no site da Fazenda.
Nesse contexto do Eco Invest Brasil, o capital catalítico refere-se a recursos públicos (ou de parceiros de desenvolvimento, como o BID) usados estrategicamente para assumir riscos junto ao setor privado, “destravando” assim investimentos maiores através do conceito de blended finance, onde o banco privado investe junto com o recurso público, minimizando o risco.
Este capital tem o potencial de destravar um investimento total de R$ 31,4 bilhões (combinando fundos públicos e privados) destinados à recuperação de áreas degradadas em todo o território nacional.
Especificamente, R$ 16,5 bilhões foram contemplados por meio da linha pública de capital catalítico, o que deve gerar R$ 30,2 bilhões em investimentos totais. Este montante financeiro será crucial para viabilizar a restauração produtiva de aproximadamente 1,4 milhão de hectares, com desembolsos programados para ocorrer ao longo de 2025, 2026 e 2027[3].
O trabalho do Grupo de Trabalho de Terra durante o ano de 2025
Como representante multissetorial da cadeia da carne bovina, a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável foi demandada, pelos seus próprios associados, a avaliar em que medida o PNCPD/Caminho Verde endereça desafios reais do produtor pecuarista e de que forma essa política pública pode ser fortalecida para garantir escala, integridade ambiental e viabilidade econômica para quem está na ponta. Entre os temas considerados prioritários estão: (i) acesso efetivo a crédito e assistência técnica, inclusive para pequenos e médios produtores; (ii) clareza operacional sobre critérios técnicos e elegibilidade; (iii) governança e continuidade dos incentivos ao longo do tempo; e (iv) mecanismos que habilitem a colaboração entre produtores e compradores, inclusive via instrumentos de carbono e metas de descarbonização da cadeia.
Falta de clareza operacional e critérios técnicos: termos como “boas práticas agropecuárias sustentáveis” e “pastagens degradadas” ainda carecem de definição clara. A ausência de parâmetros técnicos e geográficos – espacial e temporal – pode comprometer a implementação e criar distorções. Também há preocupação com a ausência de critérios realistas e verificáveis para emissões de carbono, o que pode dificultar a mensuração de resultados.
Acesso desigual e risco de exclusão de pequenos produtores: há receio de que o acesso às linhas de apoio fique concentrado em grandes produtores, excluindo propriedades menores (até 100 hectares), que representam parte significativa dos estabelecimentos pecuários no Brasil. Segundo dados do MAPA, 36% da área identificada como potencial para recuperação está nesse perfil fundiário.
Déficit de clareza sobre instrumentos de implementação: ainda faltam detalhes sobre como se dará a operacionalização do programa – incluindo definições sobre benefícios concretos, regras de adesão, assistência técnica e linhas de crédito.
A assistência técnica é um tema crucial para o sucesso do retorno desses investimentos e para as metas climáticas. O produtor, principalmente pequenos e médios, que são impactados por esses recursos e programas, precisa de acompanhamento qualificado e de longo prazo, para garantir que a área seguirá de forma bem-sucedida o plano de reversão da degradação e, principalmente, não volte a se degradar novamente no futuro.
Oportunidade de conexão com outras agendas
A agenda da recuperação de pastagens também possui convergência com outras agendas cruciais para a sustentabilidade da cadeia de valor. A regularização fundiária e ambiental pode se conectar diretamente com o tema e exponenciar os efeitos dessas políticas públicas.
O Monitor da Recuperação do MapBiomas, em sua primeira versão, oferece uma ferramenta fundamental para o acompanhamento e avaliação de áreas com compromisso ou obrigação de recuperação no Brasil, consolidando dados de diversas fontes, como embargos estaduais e federais (obtidos de órgãos como IBAMA, ICMBio e Secretarias de Meio Ambiente de estados como Pará e Mato Grosso), e projetos de restauração do Observatório da Restauração (OR) e do SARE (São Paulo). A base de dados revela uma concentração geográfica notável desses compromissos, com 80% das áreas localizadas no bioma Amazônia e 12,1% no Cerrado. Regionalmente, a maior parte (57,8%) das áreas está concentrada no Pará (37,8%) e no Mato Grosso (20%), seguidos pelo Amazonas (16,5%). Um achado crucial do Monitor é a disparidade entre o compromisso e a efetividade da recuperação: do total das áreas cadastradas, apenas cerca de 23% apresentam compatibilidade com o padrão de recuperação esperado, enquanto aproximadamente 11% são consideradas não compatíveis[4].
Contexto que dialoga diretamente com um passivo histórico do setor. Ao longo dos últimos 16 anos, a evolução dos mecanismos de monitoramento e a atuação rigorosa de órgãos como o MPF resultaram no bloqueio comercial de milhares de produtores. No entanto, a exclusão por si só criou um contexto em que, sem alternativas claras, cria-se o risco de expansão de mercados informais.
A agenda da reinserção de pecuaristas, tem o objetivo de oferecer caminhos para que produtores rurais possam reparar danos ambientais, buscar a regularização de seus imóveis e retornar ao mercado formal. Com a ambição de regenerar áreas desmatadas, as necessidades para o sucesso da agenda da reinserção são muito similares a da recuperação. Políticas públicas e programas de financiamento deveriam começar a conectar tais oportunidades para que cada vez mais produtores sejam impactados.
Brasil liderando também a discussão internacional e a troca de conhecimento
O tema teve destaque também na COP 30 com o lançamento do Plano de Investimentos em Agricultura Resiliente para Degradação Zero de Terras (RAIZ) que consolida a liderança internacional do Brasil na agenda de regeneração de solos. A iniciativa, que já nasce com o apoio de nove nações (incluindo Alemanha, Reino Unido, Japão e Austrália), tem como objetivo mobilizar capital e transferir tecnologia para a recuperação de áreas agrícolas degradadas em escala global, inspirando-se nas estratégias nacionais do Caminho Verde e Eco Invest. O plano opera através de quatro eixos de serviço fundamentais: o mapeamento de paisagens para priorizar áreas de alto potencial; a identificação de soluções de restauração viáveis com seus respectivos custos; a estruturação de veículos de coinvestimento para reduzir riscos ao capital privado (blended finance); e a promoção de um ecossistema de intercâmbio de conhecimento, visando acelerar a agricultura resiliente como resposta à crise climática[5].
Em suma, o Brasil possui conhecimento científico, iniciativas para levantar o capital financeiro e ambição para transformar milhões de hectares de pastagens degradadas em sistemas produtivos e sequestradores de carbono. Contudo, o sucesso da empreitada exige a superação dos gargalos operacionais e de um dos principais desafios que segue sendo como garantir que a assistência técnica chegue efetivamente nas propriedades, principalmente, a do pequenos e médios produtores, garantindo sua inclusão econômica e social.
*Stefannie Leffler, coordenadora do GT de Terra da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável e Gerente de Produtos na Agrotools.
[1] EMBRAPA. Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para expansão agrícola. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/87076753/brasil-possui-28-milhoes-de-hectares-de-pastagens-degradadas-com-potencial-para-expansao-agricola.
[2] MAPA. MAPA lança estudos para auxiliar na implementação de ações do Programa de Pastagens Degradadas em nove estados brasileiros. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-lanca-estudos-para-auxiliar-na-implementacao-de-acoes-do-programa-de-pastagens-degradadas-em-nove-estados-brasileiros
[3] GOV.BR/FAZENDA. Leilão do Eco Invest Brasil tem demanda de R$ 17,3 bilhões e potencial para gerar R$ 31,4 bilhões em investimento para recuperação de áreas degradadas. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2025/agosto/leilao-do-eco-invest-brasil-tem-demanda-de-r-17-3-bilhoes-e-potencial-para-gerar-r-31-4-bilhoes-em-investimento-para-recuperacao-de-areas-degradadas.
[4] MAPBIOMAS. MapBiomas lança Monitor da Recuperação. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2025/10/23/mapbiomas-lanca-monitor-da-recuperacao/
[5] COP30. Brasil lança iniciativa para recuperar áreas agrícolas degradadas em diferentes regiões do planeta. Disponível em: https://cop30.br/pt-br/noticias-da-cop30/brasil-lanca-iniciativa-para-recuperar-areas-agricolas-degradadas-em-diferentes-regioes-do-planeta.






















































